sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Natal

O Natal foi cheio.
A certeza, agora, enquanto me sento sozinha, na sala, a tomar um pequeno almoço, hoje sem pão, mas com bolo rei. A certeza agora, enquanto tenho tempo para reparar que não há movimento de carros, não há crianças na escola, há céu azul e vento frio. A certeza agora, no silêncio da nossa casa, uma casa que esteve cheia, com família a dormir no chão, com turnos nas refeições. Sou a única que estou acordada mas confesso que não trocava estes minutos aqui, em silêncio, pelo calor do meu quarto. Enquanto procuro ignorar a confusão de brinquedos espalhados, lembro-me do melhor que o Natal me deu. Em tanto, tanto, escolho as palavras do meu filho, as palavras que não sei onde as vai buscar, as palavras que me surpreendem, me espantam, me comovem, e escolho o sorriso da minha filha, o sorriso que me traz segurança, me traz confiança, me dá certezas.

[Sim, Pedro, vou estar para sempre no mundo.]
[Sim, Aninha, no teu sorriso sempre a minha maior certeza.]

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Os cinco sentidos da minha vida | com o Miguel

Uma imagem: o arco-íris prateado em Iguaçu.
Um cheiro: flor de ameixieira e orquídeas brancas, o cheiro da nossa casa.
Um sabor: piri-piri, porque não há nenhum outro sabor de que gostemos em igual medida.
Um som: o assobio do Miguel, enquanto "tira" as notas de uma música que acaba de ouvir.
Um gesto (o tacto): os beijos do Miguel na minha testa, que são tudo o que lhe reconheço de melhor: amor, consideração, amparo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Os cincos sentidos da minha infância | com os meus pais

Uma imagem: eu, deitada no colo da minha mãe, ouvindo o meu pai a teclar.
Um cheiro: o cheiro da minha mãe, aquele cheiro que ainda hoje lhe encontro, mude as vezes que mudar de perfume, na curva do seu pescoço.
Um sabor: chocolate, em mais dias do que seria suposto, sempre o chocolate.
Um som: Bolero de Ravel, a banda sonora da minha infância.
Um gesto (o tacto): a minha mão na mão do meu pai, a força com que me agarrava a mão, enquanto corríamos "como uma bala".

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Os cinco sentidos da minha infância | com os meus avós

Uma imagem: os vidros embaciados pelo calor de tanta gente numa casa pequena.
Um cheiro: já não me lembro do sabor dos bolos da minha avó, mas lembro-me do cheiro de bolo acabado de cozer.
Um sabor: o pão fresco, com manteiga dos Açores, molhado no leite com cevada, tal como a minha avó sempre fez e faz.
Um som: os cascos dos cavalos na calçada ao amanhecer, enquanto eu adiava o levantar na cama dos meus avós.
Um gesto (o tacto): o meu primeiro banho, pelas mãos do meu avô (não tenho uma lembrança minha desse momento, mas ouvir a descrição da minha mãe, recordar a voz do meu avô, contando-me aquele momento, ver as fotografias daquele meu 13º dia - o primeiro banho era tardio, há 33 anos - relembram-me como era especial sentir as mãos do meu avô na minha pele).

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Depois da zona de rebentação

[Os Verões da minha infância nas praias de Sintra. O mar bravo. O maior susto de sempre agarrada à mão do meu primo Zé.]

O que sinto agora é que já passei a zona de rebentação. Pode ter sido o maior susto de sempre, mas, desta vez, tive tantas mãos para me agarrar. Já galguei as ondas e correu tudo tão bem. Tive medo no exacto momento em que mergulhei, mas mal vim à tona deixei-o para trás. Ainda ouço as ondas altas, mas já estou naquela zona do mar em que posso boiar.

[Depois da zona de rebentação, as praias de Sintra têm outro encanto.]

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A minha avó velhinha

Hoje, enquanto conduzia até ao meu escritório, lembrei-me de como a minha avó materna está muito velhinha. Fiquei mais triste do que é costume ao pensar na minha avó velhinha. Não pelo peso dos 90 anos que Dezembro a fará completar, não pelas rugas, não pela escassa mobilidade, não pelo discurso que é muitas vezes irreal, não pelas vezes que pergunta a mesma coisa. A minha avó materna está muito velhinha porque ninguém lhe foi capaz de dizer que a minha mãe está doente. Nem a minha mãe. A minha mãe, que ainda tem mãe, não lhe pode pedir colo. A minha avó está muito velhinha. Eu bem sei que ela saberia bem dar colo, sempre foi a melhor das avós, das mães a dar colo, mas todos acham que está muito velhinha para saber da razão da necessidade do seu colo. Fiquei mais triste ao pensar na minha avó velhinha. Têm sido tantas as vezes que lhe ocultam a necessidade do seu colo, têm sido tantos os colos que ficam por dar. Fiquei mais triste pela minha avó, que velhinha, poderia, ainda assim, querer saber e dar colo. [E fiquei mais triste pela minha mãe.]

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Outubro rosa

Precisava que os dias de Outubro fossem rosa. Nesse sentido mais poético que usamos quando nos referimos a "dias cor-de-rosa". Precisava que assim fosse e Outubro tem-me (nos) trocado as voltas.

Foi em Outubro que a minha mãe recebeu a notícia de que tem cancro da mama. Depois de uma suspeita séria, a confirmação pela minha voz. Não tremi a voz por um segundo, ainda que as minhas mãos, que seguravam o resultado da biópsia, pudessem denunciar o contrário.

Foi em Outubro que redescobri que tenho uma capacidade, que até a mim me surpreende, de ser optimista e segura na doença. Foi em Outubro que redescobri como a minha crença em finais felizes me permite abraçar quem amo com mais confiança.

Uma amiga, que tanto nos tem ajudado neste Outubro, dizia-me, um dia destes, que uma notícia destas nos abala como um tremor de terra e que uns se mantêm de pé, outros não, mas que mesmo aqueles que se mantêm de pé, fortes, optimistas, são os que disfarçam melhor. Essa afirmação fez-me pensar se esta minha forma de reagir é dissimulada. Tenho duas caras, eu que nunca fui de esconder sentimentos?
Foi em Outubro que tive a certeza que eu sou daqueles que se mantêm de pé. Mas eu não disfarço. Eu acredito, sinceramente, que este Outubro, que nos tem trocado as voltas, é rosa. Não parece à primeira vista, mas é rosa, porque foi Outubro que nos fez tremer o chão, a tempo de um abalo maior.
O mês que se segue a Outubro mudará o tempo verbal que nos inquieta: depois de Outubro, a minha mãe terá tido cancro da mama.
E eu só acredito em finais felizes porque o amor que tenho pela minha mãe não me permite ser de outra forma. A minha mãe não sabe, mas foi ela que me fez assim. Com o seu amor.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Ser mãe e falhar

Acabei de ler este post sobre ser mãe e falhar. Fiquei sem palavras. Pela doçura das descrições. Pela transparência que nos transmite.

Procurei depois as minhas palavras, que andam há dias num nó na garganta.

Demorei mais de 3 anos a dar a primeira palmada ao Pedro. Eu, que podia jurar que nunca o faria. Eu, que me gabava do meu autocontrolo. Eu, que me lembro com exactidão de uma palmada concreta da minha mãe e que a julguei injusta, tão injusta. Eu, que sempre admirei o meu pai por nunca o ter feito, por nunca ter falhado nesse concreto domínio, que é o de educar sem gritar, sem palmadas. Falhou noutros. Como todos nós falhamos.
Das palmadas da minha mãe, lembro-me especialmente daquela, da injusta e de a certeza (falsa) de que tal injustiça nunca andaria na palma das minhas mãos. Das outras palmadas da minha mãe, lembro-me do seu imediato sentimento de culpa, da forma mascarada de me pedir desculpa, da ânsia de fazermos logo as pazes, fazendo-me admitir o meu erro. Já mais crescidinha, com 7 ou 8 anos, já esperava, com um sorriso disfarçado, que a minha mãe viesse ao meu encontro, para a conversa pós-palmada.

Curiosamente, depois da primeira palmada que dei ao Pedro, não senti propriamente culpa ou injustiça. Senti frustração por não ter seguido aquela certeza que tinha delineado quando vivi a injustiça da palmada da minha mãe. Senti que depois da primeira palmada, seriam mais fáceis as seguintes e a verdade é que a primeira palmada teve réplicas. De todas as vezes não senti propriamente culpa, mas novamente frustração. De todas as vezes, não corri, como corria a minha mãe, para falar do assunto com o Pedro. De todas as vezes, senti que a palmada não surtiu qualquer efeito. Prometi, em todas as vezes, voltar ao registo de conversar com calma, de arranjar uma consequência para o seu comportamento. De todas as vezes, senti que para o Pedro aquele meu erro pouco representava. Ainda assim, para lá da frustração, tinha receio que associasse as minhas falhas ao nascimento da irmã, porque as palmadas estiveram quase sempre relacionadas com um comportamento do Pedro dirigido à irmã.
As minhas falhas sabem-me, por isso, a frustração e a medo, não tanto a culpa.

Porém, num destes dias, cometi a maior falha de sempre. Dessa falha talvez o Pedro se venha a lembrar, já adulto. A propósito dessa falha também o Pedro possa vir a dizer "e eu nunca o esqueci".
Na sequência de um "salto mortal" sobre a irmã, levei o Pedro para o quarto e gritei, ralhei e chorei. Chorei à sua frente em clara perturbação pela consequência que aquele "malabarismo" poderia ter tido.
Ao contrário do que aconteceu nos episódios das palmadas, no dia seguinte, a caminho da escola, o Pedro falou no assunto. Perguntou-me porque é que tinha chorado quando fez "aquilo" à mana. Desta vez a minha falha, a de chorar à sua frente, ficou gravada.

Expliquei-lhe que, tal como já lhe tinha dito, os adultos também choram. Que choram por muitas razões, por tristeza, por preocupação, por exaustão, por medo, às vezes, até por felicidade. Que naquele exacto momento tinha chorado por medo, medo que a mana tivesse ficado magoada.
E, aproveitando o refrão da música que o Pedro tanto gosta de ouvir do Miguel Araújo, Romaria das Festas de Santa Eufémia, disse-lhe:
"É como na canção Pedro, ouve com atenção:
«Por mais duro o serviço
Que a terra peça da gente
Eu não sei por que feitiço
Temos sempre novo alento»
É a mesma coisa, meu amor, por mais difícil que tudo nos pareça, por mais coisas difíceis que o mundo nos traga, como uma preocupação grande que fez a mamã chorar, não sei bem por que magia, mas sei que tem a ver com o amor que eu tenho por ti, tudo se resolve, e estamos bem agora, nada aconteceu de grave e estamos todos felizes."

Foi a forma mais bonita que arranjei para lhe pedir desculpa, para lhe mostrar que erro, e que, mesmo assim, tenho toda a vontade do mundo para continuar a ser melhor.
Não tornou a falar do assunto.
Mas acho que este será o primeiro momento que o Pedro vai julgar como a minha falha. Este foi o meu primeiro grande nó na garganta, enquanto mãe.


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

*

Já escrevi sobre o que é sentir-me adulta. Sinto-o, normalmente, pelas piores razões e não sei se isso abona muito em meu favor.
Dormi pouco, acordei muito cedo e ainda não eram horas de estar a pé num dia normal, e lá estava eu, adulta, tão adulta, a abraçar quem tanto amo.
Depois li um post no blog da minha comadre e lembrei-me daquele jantar de mulheres no Avillez e de como fomos para casa num carro repleto. E dos risos e das fotografias. E dos risos. E das lágrimas provocadas pelo riso. Senti-me outra vez criança ou adolescente, sem preocupações sérias ou responsabilidades. E confesso, mesmo não sendo algo que se diga aos sete ventos com a minha idade, gosto muito mais dessa sensação...

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O nosso Verão #6

O nosso Verão terminou da melhor forma. Com o regresso a casa.
O meu filho, tal como eu era em pequenina, ansiava já pelo seu quarto, pelas suas centenas de carros, pela banheira em que tudo cabe, pela sala desarrumada, pela cozinha onde conhece os armários. O meu filho, mal se apercebeu que já estávamos na nossa cidade, implorava para que nenhum desvio fosse feito àquele que é o caminho para casa. Inevitável não sorrir ao lembrar-me do frio que sentia na barriga até abraçar o meu lar, vinda de férias. Inevitável não sorrir por me reconhecer em tantas coisas de que é feito o Pedro.

O nosso Verão terminou da melhor forma. Com o regresso às rotinas. Mas com um filho mais velho claramente mais crescido, mais responsável, mais cuidadoso, mais cumpridor. A diferença é enorme ao ponto de já me ter saído várias vezes "trocaram-me o menino durante as férias". A diferença é tão grande que mesmo os avós, amigos, conhecidos, educadora o comentam. Sei bem que há dias em que volta a ser o Pedro desafiador, inflexível, teimoso. Mas que o meu menino cresceu, cresceu. E, apesar de insistentemente pedirmos ao tempo para correr devagar, gosto deste crescimento, desta mudança.
Não sei bem a que se deve. Mas gosto de pensar que termos estado juntos, os 4, fez o Pedro perceber que o seu lugar é o mesmo, que tudo o que mudou, mudou para melhor, e, com isso, ganhou mais confiança, mais segurança e mais maturidade.

E, mesmo tendo crescido, ontem, quando adormeceu no meu colo, disse-lhe baixinho, enquanto ele acenava que sim, "caberás sempre no meu colo, meu amor."

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O nosso Verão #5

O nosso Verão trouxe a proximidade que sempre invejei na relação entre irmãos.
Os meus filhos são, especialmente depois deste Verão, os irmãos como eu concebo esse vínculo. Com tudo o que isso significa.
O nosso Verão fez-me ver que já fiz o melhor da minha vida. Venham os dias que vierem, já fiz o melhor que algum dia poderia fazer.
O nosso Verão fez-me sentir que o melhor que eu já fiz fez em mim, também, o melhor da minha vida.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

O nosso Verão #4

Nem todos os dias poderiam ser assim.
De tão intensos que foram.
Mas são dias como estes, de amizade, de aproximação, de abraços e empurrões, de brincadeiras e birras, de risos e choro, de tudo um pouco levado ao extremo que nos fazem e que os fazem [crescer].


Praia dos Salgados | Algarve

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O nosso Verão #3

O nosso Verão levou-nos, a 4, a um lugar especial, onde as refeições são arte, onde as mesas são a plateia e a cozinha o palco, onde à noite nos sentamos junto à fogueira, onde à noite podemos fingir ser pirilampos, com lanternas na cabeça, onde as mantas se emprestam, os baloiços são de todos, onde os livros já foram folheados por diversas mãos, onde a confiança está num bar, onde se prepara um gin ou um café fora de horas, onde a guitarra é de todos, onde as crianças têm um espaço à medida, onde os quartos são únicos, onde se pode tomar banho na varanda ou numa banheira azul com vista para a serra, onde a piscina é fria e, ainda assim, nada importa, porque o calor é de outra natureza, onde as almofadas têm andorinhas bordadas, onde os quadros têm frases que poderiam ser nossas, onde não há tempo a contar ou a correr, onde tudo é um pormenor, um sentido, onde se pode ser genuinamente feliz sem nada por perto.
E onde o Pedro encontrou "os morcegos mais felizes de Portugal".

Recomendo e espero voltar. Cooking and Nature, Alvados.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O nosso Verão #2

O nosso Verão trouxe-nos 6 meses de Aninha e a velha sensação ambígua de que o tempo passa a correr mas que a pequena habita a nossa casa e os nossos corações desde sempre. Já somos 4 desde sempre, os 6 meses deram-nos tempo para assim sentirmos a nossa família, a nossa vida e é por isso que estes 6 meses parecem anos, décadas. Porque um amor assim não é um amor de uma meia dúzia de meses, não é mesmo...

E porque festejamos meia dúzia de meses e porque eles são doces, doces, escolhemos o jeito certo:

 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O nosso Verão #1

O nosso Verão começou em casa, sem pressas, com a introdução da sopa à Aninha e com a certeza de que nós, como família, aprendemos definitivamente a rir das dificuldades.
Os meus filhos nascem sem o gene mais precioso do pai (estou a brincar, Miguel), que é aquele que o faz comer de tudo e sempre com muito pouca moderação.
Mas ao contrário do que fizemos com o Pedro, deixámo-nos de estratégias pouco ortodoxas e optámos por fazer tudo com mais calma e com a certeza de que o tempo tudo resolverá. No final de cada refeição, rimo-nos (durante também), tiramos fotografias e levamos a pequena para a banheira.

O nosso Verão

O nosso Verão durou 15 dias, os dias de férias que nos couberam. Talvez o nosso Verão tenha durado mais tempo, porque o que nos deu fará, seguramente, a diferença em cada dia que se segue.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

*

Tenho 3 amigas que o são desde sempre. Já escrevi sobre isso.
Tenho 3 amigas que são minhas irmãs.
Como nos conhecemos desde sempre, às vezes, quando estamos as 4, é como se o tempo tivesse parado e nós não somos adultas, não trazemos filhos ao colo, cabelos brancos, algumas rugas, responsabilidades profissionais... Quando estamos as 4 lembro-me de nós como sempre fomos, crianças, adolescentes, livres, genuinamente felizes, cinematograficamente dramáticas (ui, como eu era dramática), sem que ninguém nos faltasse.

Em tantos anos de amizade, todas nós passamos por momentos difíceis, todas nós tivemos juntas num abraço, num beijo, num consolo.
Mas desta vez foi diferente. Naquele exacto momento em que 3 de nós suportavam nos braços a dor de quem via o pai deixar o último lugar que conheceu, naquele exacto momento em que a porta se fechou e só se ouvia silêncio e choro, estarmos as 4, só as 4, juntas, fez-me perceber como já somos adultas.
Porque é uma perda que só se deve ter na vida adulta.
Porque, naquele exacto momento, não nos vi como na infância.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Ambiguidades

O que eu gosto mais na minha profissão é o sentimento de que uma acção minha mudou a vida de uma pessoa.
Fico orgulhosa quando ganho uma acção, quando penso numa solução jurídica para um problema, quando resolvo um conflito, quando acerto.
Mas o que eu gosto mesmo na minha profissão é fazer a diferença na vida de uma pessoa.
Ontem foi um dia assim. Trabalhei muito, muito mesmo, e ao fim de 7 horas tinha mudado a vida de uma pessoa. E não há nada que se compare ao calor de umas mãos a agarrarem as nossas, como se fossemos mais do que realmente somos. Não há nada que se compare a ver a pessoa voltar para trás, mais uma vez, só para nos agarrar as mãos, em jeito de agradecimento.

Ainda assim, quando hoje levei o meu filho a uma sala de audiências, quando lhe mostrei onde a mamã trabalha, quando, atenta a insistência dele de que também queria "atender pessoas", uma funcionária lhe deu um processo para a mão para que percebesse um pouco mais que a mamã lida com papéis, muitos papéis, sem as ilustrações coloridas a que está habituado, desejei, em voz alta, que não seguisse as pisadas da mãe.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Está na hora

Os dois adormeceram juntos, com toda a logística que isso implica (um braço aqui, um pé ali, para evitar contactos mais violentos, ainda que involuntários, do Pedro à Ana).
De manhã, a primeira coisa que o Pedro me disse foi: " a mana não dormiu no meu quarto".
Pois não, meu amor, e está na hora, está mesmo na hora. Por ti, por ela e por nós.

Miguel, este post é especialmente dirigido a ti e à tua caixa de ferramentas.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Das manhãs perfeitas

Quase todas as manhãs começam com uma correria e não estou a falar de desporto.
Quase todas as manhãs levanto-me bem mais tarde do que devia, chego sempre mais tarde do que seria suposto ao escritório.
Quase todas as manhãs as camas ficam por fazer, os carros espalhados pelo chão, a loiça do pequeno-almoço em cima da mesa.
Quase todas as nossas manhãs vos poderiam parecer o caos. Se alguém tocasse à campainha pelas 9 horas, perceberia que ali vive uma família ainda desorganizada a 4.
O que ninguém sabe é que antes do caos, ali vive uma família verdadeiramente feliz.
Ontem, depois de uma noite inteira de sono (o que é ainda raro, raríssimo), a Aninha enroscou-se no meu peito e ali ficou acordada. Contemplei-a durante cerca de 30 minutos, senti-lhe as unhas finas no meu peito, a respiração serena no meu pescoço, o cheiro quente que é só dela. Acabou por adormecer, da melhor forma que encontra, junto a mim.
Nem um minuto depois, ouvi o Pedro chamar-me. Pediu-me leite na cama e que eu ficasse ali, junto a ele. Foram os seus 30 minutos de mimo, de histórias sobre lobos, sobre carros, sobre quando eu era pequenina. O meu filho nunca é tão meigo como ao acordar. Aprendeu comigo a dizer o que sente, a abraçar e a beijar e quando o faz melhor não é quando eu regresso do trabalho, mas quando ele regressa dos sonhos.
Ontem não pude ainda regressar à minha cama para um abraço ao Miguel, porque excepcionalmente o Miguel saiu cedo, muito cedo. Mas tenho sempre esta sensação de abraço matinal, quando o despertador já tocou várias vezes, e quando adiamos mais uma vez o toque para que o abraço se prolongue por mais um pouco. Como hoje.
As nossas manhãs são um caos, é verdade. Mas antes de tudo isso, são perfeitas.
E hoje é só dessa parte que me consigo lembrar.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Colo

"o melhor lugar que você irá conhecer é esse. O colo da sua mãe. Tudo que acontecerá depois será a constante busca pela repetição do conforto, aconchego, amparo, proteção que existe aí. Os abraços dos seus irmãos, serão. A mão da sua tia, será. Os carinhos cuidadosos da sua avó, do seu avô, serão. O olhar amoroso dos seus padrinhos, será. Essa constante busca pelo colo mágico da sua mãe acompanhará sua existência nos seus amores, nas pessoas que compreenderem essa coisa difícil que é ser companheiro, estar disponível, ouvir os seus chamados. Lá na frente (não dá para ver ainda, é depois da última curva que vemos agora), lá na frente, no futuro, você poderá até oferecer o seu colo para sua mãe. O mundo aparentemente inverte a gente, quando convém. E o mais engraçado é que, ainda que nessa situação, mesmo sem que você saiba, é o colo dela que estará a serviço do seu choro, da sua angústia, das suas emoções e razões. O Cacá, seu pediatra, diz sempre: "ela é uma bebê de colo", para dar início às fabulosas aulas de vida (ele nos dá várias, a cada encontro). Aproveite, filha. Contemplar um pôr-do-sol no colo da sua mãe é provavelmente a melhor coisa que pode acontecer num dia comum como ontem. Ou hoje. E amanhã."

Escrito pelo Pai Pedro.
Tropecei neste texto por causa da Macaca.
E disse-me tanto.
A minha filha é uma bebé de colo. Do meu colo. Desde o primeiro momento em que o conheceu. E se, às vezes, me dava jeito que não estranhasse os colos de quem a ama, ao mesmo tempo dá-me vaidade que a minha pequenita, tão pequenita, o sinta especial, o sinta como o melhor lugar que irá conhecer. Porque é um lugar onde pode regressar sempre. Porque é do melhor que lhe posso oferecer.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Não dá para esconder que temos um filho pequeno...#31

O meu filho é mesmo uma criança...

Um dia destes, o Pedro oferecia-me a parte amarela de um húngaro (a parte de chocolate comeu-a ele) e eu dizia-lhe: "a mamã não pode, está em dieta"
Pedro: O que é dieta?
Eu: É ter cuidado com o que como, para ficar magrinha.

Dois dias depois...
Pedro: A mamã está em dieta, tem cuidado com o que come.
Eu: Pois é. E para quê?
Pedro: Para ficar grande!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

No melhor o pior

Nesta mais recente maternidade não tive ataques de choro como na primeira, não senti oscilações hormonais que me fizessem parecer bipolar. Nesta mais recente maternidade só chorei por causa do Pedro.
Depois de uma reacção doce durante toda a gravidez, depois de uma reacção eufórica, plena de felicidade, no dia em que conheceu a irmã, o Pedro revelou-se zangado, irritado, furioso até.
Eu contava com ataques de ciúmes contra a Ana Miguel, com retrocessos aqui e ali, mas não contava que dirigisse toda a sua instabilidade contra nós, pais. E nós, que nos desdobrámos para que não sentisse diferença nas rotinas, que nos multiplicámos para lhe dar todo o mimo ( e muito mais), nós éramos para ele o inimigo!
Durante 8 dias o Pedro deixou de dizer, como sempre disse, que me adorava. Durante 15 dias não quis a nossa ajuda no banho, na hora de beber o leite, não quis que participássemos nas suas brincadeiras. Chegou mesmo a dizer que queria que nós fossemos embora e que ele ficava sozinho com a mana.
Tudo isso doeu mais do que podia imaginar, não por pensar que algo tinha mudado na nossa relação mas por ser um reflexo do seu sofrimento imenso.
O Pedro deitou-se várias vezes a chorar e ele não sabe que, enquanto lhe apertava o corpo contra o meu e lhe beijava a testa, também eu me deitava a chorar.
O pior já passou e gosto de pensar que as coisas voltaram à normalidade. Mas há retrocessos num dia ou noutro. São esses dias que me lembram que o melhor que pude fazer pelo meu filho lhe trouxe também o pior. São esses dias que não me fazem esquecer que os dias mais felizes da minha vida foram também os mais duros.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Dos sorrisos de sexta-feira

Na sexta-feira passada saí a sorrir da casa dos meus pais. O meu almoço rápido na casa que ainda é minha e o almoço mais demorado da minha pequena (porque é sempre mais demorado se o faz directamente da fonte) podiam ser a razão, mas não. O sol e a temperatura amena, a proximidade do fim-de-semana podiam ser a razão, mas não.
Saí a sorrir por causa dos meus pais. Pelo amor que lhes vejo em tantos gestos, pela dedicação que lhes encontro no jeito com que também criam os meus filhos e pela harmonia que lhes sinto, a dois, quando os netos estão por perto.
Nessa sexta-feira, durante o meu almoço rápido, o meu pai colava cromos numa caderneta para o Pedro e a minha mãe embalava a Ana. Porque a colecção dos cromos ainda vai a meio, o meu pai adiantou que sairia, quando eu saísse, para comprar mais carteirinhas de cromos. E eu sugeri que o meu pai deixasse o carro em casa e fosse a pé, levando o carrinho da Ana e a minha mãe a seu lado.
E assim foi, na sexta-feira passada, os meus pais saíram a pé (quem conhece o meu pai sabe que tal é um feito!), lado a lado, empurrando a minha filha no carrinho. Sorriam os 3. Sorria também eu.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Melhor mãe do que nos outros Alentejos

Desde há dois meses que a minha vida é muito mais cor-de-rosa. Com excepção do sofrimento que senti pelo sofrimento do meu pequeno (o que dará outro post), a forma como nos chegou a nossa andorinha, a forma como se adaptou a nós, a forma como voa tranquila, tudo faz da minha vida muito mais cor-de-rosa.
E a isso devo à Ana Miguel, porque nunca conheci um bebé tão doce, tão fácil, tão “sem questões”, mas também a nós, a mim e ao Miguel, que neste “segundo round” soubemos relativizar quando era para relativizar, soubemos rir das adversidades, soubemos gerir prioridades…
Desde o minuto zero da minha pequenina, percebi que seria melhor. Melhor mãe. Reconheci-o na forma como encarei o parto (cesariana), a amamentação, a logística de passarmos a ser 4. E talvez por isso tenha tido alta mais cedo do que o esperado, talvez por isso me tenha sentido sempre tão bem fisicamente, talvez por isso esteja a amamentar em exclusivo mesmo estando a trabalhar há 1 mês, talvez por isso já tenha feito a 4 uma viagem ao Alentejo e a tenha aproveitado ao máximo, com passeios matinais só para ver os campos (e as andorinhas) como nunca tinha visto.
Este “segundo round” está a ser assim, como essa viagem ao Alentejo na Primavera. Repeti caminhos que percorri muitas vezes no Verão, mas desta vez os campos estão verdes, rosa, lilás e amarelo forte. E eu nunca tinha parado tanto tempo só para apreciar a cor dos campos alentejanos, para os reter em mim e na lente da minha câmara fotográfica.
Agora, também eu dou por mim a parar e a reter tudo o que a minha pequenina tem para me dar e o tanto que lhe tenho destinado. A consciência de que estou a viver cada dia pela última vez faz-me assim, mais contemplativa, mais presente e (paradoxalmente) mais serena.
Melhor mãe do que nos outros Alentejos.
E inevitavelmente penso que o meu primeiro amor pequenino sai em desvantagem. Mas depois esse pensamento esvai-se, porque o que importa é que agora sou melhor, pela/para a Ana e pelo/para o Pedro.

 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Não dá para esconder que temos um filho pequeno...#30

Quando recebemos um telefonema da escola e, enquanto a recepcionista passa a chamada à educadora, ficamos sem respirar.

Tinha-o deixado há cerca de 2 horas, bem-disposto, não podia ser febre ou viroses. Imaginei uma cabeça partida, um braço ao ombro, mas era só por causa de um ensaio... (e sim foi a primeira vez que me ligaram da escola).

terça-feira, 1 de abril de 2014

O meu silêncio

O meu silêncio sabe-me a amor.
Estou perdidamente apaixonada e na confusão do amor não me resta tempo para escolher palavras.
O que vos posso adiantar é que não me lembro de me sentir tão bem...não com o corpo, não com a casa, não com o trabalho, mas com a vida. Com a vida a 4.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

E depois esqueço-me...

Às vezes lembro-me de todas as contrariedades que foram surgindo durante esta gravidez. 2014, a quem eu pedi tempo, não começou da melhor forma. E o tempo escorre-me, também por causa disso. Levaram-me (perdi?) a carteira, tive um acidente de carro, passei uma tarde no Hospital à custa disso, ganhei uma dor no pescoço que ainda se mantém à custa disso, chove, chove tanto, o que me dificulta o entrar e o sair do carro com o meu pequeno de quase 16kg e a minha pequena de 2.500gr.
Estou quase com 38 semanas e não tenho a minha mala feita, não tenho os lençóis para o berço, não tenho a prenda da mana para o Pedro, não tenho as máquinas fotográficas com bateria e espaço no cartão.
Às vezes lembro-me de todas as contrariedades e depois esqueço-me.
Basta sentir a Ana, nesta forma tão própria e incisiva como se mexe.
Basta ver o empenho que o Miguel tem em me surpreender.
Basta o telefonema matinal da minha mãe, quase diário, perguntando por mim e pela minha filha.
Basta a preocupação do meu pai, essa preocupação que me lembra a minha infância, esse jeito contido de dizer que me ama.
Bastam as minhas amigas que me enganam com surpresas tão doces, tão doces.
Basta entrar no quarto que é hoje do Pedro e da Ana.

E basta o Pedro.
A forma como fala da irmã, as perguntas que faz, os seus raciocínios, as suas intenções (as boas e as más), as suas interpelações relativamente à mana, bastam-me.
Foi o Pedro quem mais me surpreendeu nesta gravidez. Como nunca pensei.
Eu não sei como é ter um irmão "verdadeiro". O Pedro já sabe.
Às vezes lembro-me das contrariedades que foram surgindo e das que estão para vir e depois esqueço-me.
Porque o que é isso à beira do amor que sinto?
O que é isso à beira do novo amor que sinto?
O amor pela Ana.
O amor pelo Pedro.
O amor do Pedro pela Ana.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Interrompemos o silêncio para falar de coisas muito banais

Enquanto o tempo não me faz regressar aos meus desabafos (com tempo) e porque não resisto a estes 2 anos quase 3...

Pedro: Mamã, estás aflita.
Eu: Aflita? Eu?
Pedro: Sim. Está mesmo aflitinha!
Eu: Eu, filho? Não.
Pedro: Não está mesmo aflita de fazer cocó?
Eu: Não. Tu estás?
Pedro: Estou!

É isto o discurso indirecto?

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Tempo

Falta-me tempo para ser mais feliz.
E é sempre nestas esperas, nestes átrios frios, hoje com a luz cinzenta que me entra pela janela e me gela os pés, que me dou conta como me faz falta o tempo. Este tempo, que se esquiva sem sentido, permitia-me tantos abraços, tantos planos, tantas palavras. Logo hoje, que o meu pequeno Pedro me pediu colo de manhã, ao ouvir a música que tantas vezes ouviu enquanto só a mim pertencia.

Não estou deprimida. Estou grávida, de 34 semanas, com tanto por organizar, com um filho doente, enquanto trabalho e espero...